charada

helena sarmento
2 min readFeb 9, 2023

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A coisa é simultaneamente um fenômeno natural e um procedimento artificial. Já aconteceu mil vezes. Em segredo, um seleto grupo compartilha a experiência da coisa sem nunca falar sobre ela. É uma coisa orgânica, apesar de suas etapas bem delimitadas.

Primeiro, o escorrer incontrolável, aflição, fuga, pressa. Depois a sensação de volume e consistência; a coisa é um fato concreto. Algo não está mais onde estava. Algo acabou. Algo mudou e por isso as coisas continuam como sempre estiveram. Atenção: algo mudou e por isso as coisas continuam como sempre estiveram. Culpa? Às vezes. Alívio? Via de regra.

A coisa é meio mecânica. A coisa é, às vezes, feita com ferro. É feita com todo tipo de coisa, na verdade. A coisa é imperdoável. A coisa é um tipo de mutilação. A coisa jorra à noite e goteja de dia. A coisa é triste, mas a não-coisa é pior. A coisa é uma experiência mental mas também uma coisa sólida que mancha as mãos. A coisa é o oposto de sexo, mas muitas coisas são.

Para efeito de exclusão, o grupo seleto não é do tipo apaziguador. O grupo seleto não é do tipo resignado. Não é do tipo dócil, mas finge. O grupo seleto não é pequeno. Mas é seleto.

Mais uma dica: um ninho tem três ovos. O primeiro nunca rachou. O segundo caiu no chão com tanta força que os caquinhos voaram longe. O terceiro apodreceu mas ninguém se deu conta.

Pra não complicar muito, considere que um quarto ovo habitou aquele ninho, mas era um ovo falso feito de pedra ou plástico. Ele foi como um prêmio. Essa dica vale por todas.

Por fim, um aviso: ruminar palavras, gestos e quase-ditos é fundamental na resolução de qualquer enigma, mas mais ainda na criação deles.

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