contornar não, passar por dentro
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de novo chegou a minha vez: quatro paredes, quinze xícaras dois cadernos três cinzeiros e um pacote de bolachas meio vazio, um copo meio vazio, de novo chegou minha vez montanha de roupas toalhas lápis e as pernas bambas da cadeira, não lidos 100+ emails 100+ mensagens no whatsapp e os videoclipes no youtube, o pubg e o jogo da fazendinha, a mesma camiseta fedida molhada de catarro, a mesma página de um foster wallace histérico o trabalho não anda e as meias não tem par, o lençol, os cadernos e o retrato da formatura da oitava série, toga capelo e uma boa ideia é soprar balões a cada pânico pra adicionar uma pitada de estilo ao momento, ao invés de se entregar à autopiedade ou ao travesseiro, talvez por hoje ao travesseiro mas não àquela ideia estranha importunando como um cobrador, então a lista de tarefas. certas coisas não deveriam ser importantes então a lista de tarefas a lista de tarefas.
na lista de tarefas arrumar o quarto, tomar banho, fazer exercício e escrever alguma coisa, qualquer coisa então era uma vez helena, uma pobre camponesa de saúde fraca e roupas esfarrapadas, que vivia de favor no quarto dos fundos do palácio de uma família abastada e cruel. a pobre camponesa cozinhava e limpava, ceifava trigo e costurava. no pouco tempo livre que tinha se dedicava a fumar e chorar ouvindo música nos fones, pobrezinha.
mas então seus patrões, um psiquiatra medieval e uma psicóloga medieval, num ato de pura vilania dizem a ela que certas coisas são sim importantíssimas e que a partir de agora ela terá de trabalhar duas vezes mais, caso contrário morrerá. aterrorizada, helena foge correndo, num ritmo intervalado de 50s em sprint e 3min em recuperação ativa, dia sim dia não. com sorte outras coisas fiquem menos importantes, não há motivo para pensar nelas, então lá vai 90g de proteína água flexões abdominais e todas as coisas que deprimidos adoram. com sorte as coisas mudem, com sorte a pobre camponesa descubra que a autoindulgência e o egoísmo são gêmeos bivitelinos, que se cuidar é cuidar dos outros e com sorte, e com muita sorte helena a camponesa entenda que as obrigações do campesinato estão aí para todos, menos pro foster wallace, porque ele morreu.