conversas

helena sarmento
2 min readOct 31, 2022

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As pessoas se sentam e o exercício começa. Cada jogador tem seu estilo. O objetivo é praticar a indiscutível e escancarada importância que cada um dá pra si, mas quem se der conta disso perde. Para o véu não se erguer, é importante manter o tom lúdico. Piadinhas, brincadeiras.

Um fala “eu fiz tal coisa e […]” e outro faz malabarismos para encontrar o que é dito em si mesmo: “quando eu fiz essa tal coisa, […]”. Outros ignoram o assunto desagradável(a subjetividade alheia) e desviam do assunto, iniciando sem cerimônias outro tópico de diálogo que tenha como centro ele mesmo: “mas hein, eu[…]”. Há ainda os desajeitados que frente ao ensimesmamento geral se dedicam a encher os egos alheios esperando assim fazer um agrado a seu próprio. Esses costumam ser os primeiros a perder. Enquanto os jogos acontecem, bebe-se para lubrificar as engrenagens sociais. Bebem enquanto esperam sua vez de falar sobre si mesmo.

Os jogos ficam maçantes, então alguns incluem uma nova camada ao discurso: falar sobre os outros. Falar de tal forma que ao emitir pareceres sobre ações alheias escorram pelas entrelinhas o seu próprio código moral, suas simpatias, traumas e, para os bons jogadores, seu senso de superioridade. “No lugar dela, eu[…]”. “Não sei como eles[…]”. Falar sobre é ter poder sobre. Narrar é subir em palco.

Há ainda uma outra camada, pouco visível durante os jogos e implacável no outro dia pela manhã: arrependimentos da fruição oral. Não devia ter dito isso, fulano não devia ter dito aquilo. Remoer paranoias, lamentar não ditos. É tempo de repensar estratégias. Desenvolver novos métodos. Descansar, se arrumar e retornar à brincadeira. Sair do jogo é pior.

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