diário de outubro

helena sarmento
4 min readNov 6, 2022

09/10

Queria juntar dinheiro pra comprar uma moto, mas vou ter que gastar no forro. Vou chorar quando esse dinheiro sumir da conta. Já desisti de trocar de computador, de comprar roupa, de comprar o protetor solar cheiroso. Só quero um jeito de me transportar, de conseguir ir numa porra duma farmácia. Já deu de ficar presa em casa, é patético, pareço uma detenta, tô pra explodir. Não tem um dia que eu não me arrependa de ter parado aqui no navio das doidices interpessoais.

Achei que tudo ia ser diferente agora que ineditamente sou uma pessoa funcional, mas já cansei dessa eu 2.0 que toma banho e escova os dentes.

Acho que minha amizade com N acabou. Que pena. Vou sentir falta de fingir interesse nos longuíssimos monólogos de egotrip. Taí uma pessoa, como diria M, com a cabeça enfiada no cu. E talvez a amizade com E tenha acabado também. Agora só tenho meus fumantes e ex fumantes mesmo.

14/10

É uma coisa inusitada sentir esse um ciúme todo. As ondas de desconfiança e paranoia vê e vão, ora junto daquela angústia dos peitos caídos e dos potes, ora acompanhadas da constatação de que é assim mesmo, a monogamia é um jogo em que as mulheres, via de regra, perdem. Como eu já disse, os homens vão ficando experientes ricos influentes respeitáveis e charmosos e enquanto isso os filhos nascem a bunda murcha o rosto desfigura e você deixa de ser uma ninfetinha rindo no balcão do happy hour. Assim, num piscar de olhos.

Fico grata por ter experimentado ser essa ninfetinha um dia, porque nem todo mundo tem a oportunidade de ser uma gostosa e as gostosas se divertem muito. Ainda me sinto um pouco intrusa no mundo das mulheres casadas, porque na minha cabeça parece que foi ontem que eu estava com A e T peladas numa festinha. Agora passou, passou isso tudo e o que me resta é a cinta redutora, a tretinoína, o supermercado e o ciúme doentio. É triste mas também um pouco engraçado. Como uma vingança cósmica por ter aproveitado demais a vida. Me diverti enlouquecendo os outros e agora o karma chegou. Cá estou eu louquinha da silva.

16/10

Voltei a dar aquelas choradinhas acidentais ao longo do dia. Tenho que ficar me escondendo porque o choro vem do nada, fulminante. Queria ser menos doidinha lentinha esquisitinha. Tenho tanta preguiça de viver, não tô mais afim de desbravar o mundo. Acho que minha chance de felicidade está na próxima encarnação, se ela existir.

O meu consolo é que quando saio de casa vejo um monte de pessoas desconhecidas andando de um lado pro outro e vivendo suas vidas e cada uma é triste, enfadonha, empolgante e maluca à sua maneira. Talvez meu propósito de vida seja observar a vida acontecer. Talvez eu não esteja na Terra pra ser feliz, viver aventuras ou criar coisas. Talvez minha missão seja só ver o que acontece ao meu redor que nem um farol numa ilha deserta. Apesar de tudo eu me divirto sozinha com meus pensamentos. Meu reino é do tamanho do meu crânio. Estou profunda hoje, né.

Me contaram que tem um jeito de se enforcar sentado e acho que isso solucionaria o problema de perturbar o G. Pouco tempo atrás essa ideia martelaria em minha cabeça insistentemente, mas agora… não. Talvez sem o lítio eu já tivesse me matado, porque pela primeira vez eu tenho energia pra de fato tentar me matar. Mas não consigo, não quero, perdi o interesse. O lítio me impede de largar a peteca. É uma droga poderosa. E é poderoso o mantra isso-vai-passar. Caralho, passei 4 anos deprimida, parece mentira. Arre égua. Preciso comprar protetor, meu nariz tá vermelho de tanto sol que tô pegando nessa desgraça de trabalho.

17/10
Tive uma crise de pânico ontem à noite. Alguma coisa anda errada.

20/10

Passou a ressaca do pânico. Fiquei os últimos dias leve, flutuando em bobagens. Me peguei lembrando, lembrando e lembrando, inventando novos cenários, desdobramentos. Uma segunda temporada, um reboot. Já era hora de ter passado, mas é uma coisa que vem e vai. Ás vezes dá vontade de botar as coisas em prática. Perseguir o gostinho de quero mais. Mas não dá, no fundo não quero. No fundo estou confortável. Mesmo que jogue tudo pro alto, não volto pra lá.

22/10

Alguma coisa aconteceu e estou máquina de vencer novamente. Saí com C, fomos na feira comprar coisa de vape pra ele e na farmácia atacadista comprar protetor pra mim. Amo meu amigo e amo ainda mais sóbrio, com a luz da manhã refletindo nos oculinhos.

Se eu não fizer um mestrado ano que vem acho que não faço nunca mais. preciso de um biquíni pra viagem, mas não quero gastar dinheiro com a viagem senão não terei dinheiro durante a viagem. Pensando nisso, acabo de perceber que estou cercada de peter pans alcoólatras! Como deixei isso passar? Uma dia J me falou que sou um exemplo de sucesso pra ela, meu deus do céu, imagine o fracasso.

Foi legal escrever para crianças. Acho que gosto disso. Live action não é a minha vibe. Não me conecto com nada que filmo. Apesar de que os sets são meu sustento, então não quero xoxar o apego a eles. Além disso, são minha única fonte de socialização e é inegável que estou reaprendendo a conversar nesse batidão de trabalhos encavalados.

Roubei uma bandeja de mirtilo, presunto serrano e um blue cheese no atacadão com C. Vergonha. Queria comer um pão com coisas chiques. Ele nunca tinha comido mirtilo e terminou que não gostou. Eu falei que ele não ia gostas, das berries só gosta de amora, acha morango horrível. É incrível como ser milionárias combinaria com nossa personalidade.

25/10

Tive um estalo e acho que achei a tal da água que o Foster Wallace falou. Não consigo parar de produzir outras realidades na minha cabeça como consolo pras chatices desta, mas consigo narrar esta. Acho que esse é o segredo das pessoas felizes, estar ancorado em suas próprias casualidades e não passar muito tempo maquinando outras. Não procurar sarna pra se coçar.

29/10

Apesar do mar de fascistas no trabalho estou tranquila sem cair nas provocações, porque estou sentido que lula vem aí. Bateu esperança, sei lá.

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