gepeto
Dessa vez sou uma menina. Ele pegou dois gravetos ainda verdes e quebrou no meio, mas não totalmente, de forma que ficaram articulados como cotovelos. Esses são meus braços.
Ele cavou bastante terra e levou até o tanque. Abriu a torneira, mexeu a lama com uma colher, depois peneirou e deixou secar. Repetiu o processo diversas vezes até que a pasta ficou fina e homogênea. Pôs no sol o bolo de argila e nele fincou meus braços. Esse é meu tronco.
Ele arrumou duas fileiras de pedrinhas no chão e essas são minhas pernas. Estou sempre sentada.
Ele misturou farinha e cola branca e, com um funil, enfiou o creme dentro de uma bola velha e murcha. Essa é minha cabeça. Depois costurou vários fios de barbante no topo e esse é meu cabelo.
Ele martelou dois pregos grandes na bola velha e em cada um pendurou uma tampinha de garrafa: meus olhos. Cortou um canudo vermelho ao meio e colou com cola quente: minha boca. Fiquei lá, sentada.
Sobrevivi poucos dias. Primeiro o tronco derreteu com a chuva até meus braços encostarem no chão. Depois o vento levou meus olhos de tampinhas. Depois a cadela me cheirou, derrubou minha cabeça e bagunçou minhas pernas. Quando ele me viu naquele estado pegou minha cabeça, arrancou minha boca e meus cabelos e sumiu por um tempo vasculhando as caixas da garagem.
Voltou com quatro espetos de churrasco e enfiou-me todos, de forma que agora sustentavam a bola velha um palmo acima do chão. Saiu procurando mais alguma coisa. Estou aqui, esperando. Acho que dessa vez serei uma tartaruga.