os pãezinhos

Eram pãezinhos perfeitos em formato de bola. Perfeitos. O aroma hediondo de manteiga tostada e o bronze, o bronze capaz de despertar instintos selvagens. Meu deus, o que haveria dentro? Chocolate derretido. Aquele que trava descendo na garganta ou queijo? Queijo e presunto picadinho temperado com orégano, meu deus, .

Empilhados na bandeja, os pãezinhos e seu perfume eram a coisa mais vulnerável que existe. Se tivessem pernas, sairiam correndo prédio afora e o rastro de seu perfume atrairia glutões para a janela, para a escada e para a calçada. Os glutões tirariam fotos deles. O pãezinhos recém-saídos do forno corriam risco.

O pobres pãezinhos nasceram sem olhos e sem nariz e não podiam aferir sua própria delícia a não ser que fossem moídos por dentes afiados. Os pãezinhos nasceram sem pulmões pra gritar do horror inimaginável que é esfarelar e virar pasta no interior de bocas fedidas. Infelizes pãezinhos redondos cheirosos, o padeiro lamenta vendê-los a paladares limitados.

Corram, pãezinhos! Fujam! Escapem do mostruário e vaguem o mundo. Apodreçam, pãezinhos, mofem, pãezinhos! Cumpram seu destino sem intermediadores! Não deem a eles esse gostinho, pãezinhos, o seu gostinho!

A farinha se mistura com o óleo e o ovo e há mais açúcar que parece. As pessoas são ruins em perceber quanto açúcar há nas coisas. Poucas percebem que ele está na massa de pizza, no molho sugo, poucas sabem que pra cada limão na caipirinha há dez colheres. É isso mesmo. Pãezinhos fazem mal à saúde. E nem comecei a falar do colesterol.

Pãezinhos, como pode sua linda arquitetura ser composta de pouco mais que uma mistura bem sucedida de venenos? Veem, pãezinhos? Vocês são um pedacinho morno da morte. Um prenúncio dela ao vivos. Usem isso em seu favor. Morre-se por menos que um pãozinho, imaginem uma fornada. A felicidade exige desperdício de virtudes. Tentem ser felizes, pãezinhos, e fiquem longe de geladeiras.