um casal
nó molhado não desata e há líquidos de toda sorte por aí. não consigo explicar direito, mas o laço desses dois era encharcado em sei lá. chorume e sangue sacrificial.
um casal bonitinho e algo ordinário, as mãos nunca dadas e os ombros se encostando no ritmo dos passos. nunca os vi separados.
desde que os conheci, anos atrás, uma placidez mórbida os circunda. um cheiro podre e reconfortante. a energia de um sofá velho onde no passado alguém morreu e hoje em dia se sentam crianças. toda a ferrugem e a eficiência de um hábito repetido por anos a fio.
era raro vê-los conversando um com o outro. falavam os dois com todo mundo e, entre eles, silêncio. mas completavam as histórias um do outro e sempre tinham a mesma opinião sobre os fatos, usavam os mesmos chavões e gírias como se o mesmo cérebro habitasse dois corpos.
um dia os vi à noite no carro entrando num túnel. olhavam os dois em fixo pra frente como dois cadáveres. a luz urbana esverdeava a pele de ambos. sou até hoje atormentada por esse retrato de amor duradouro que o destino escolheu me mostrar. por mim, enterrava o os dois ali mesmo.
mais tarde, entrei no instagram e encontrei fotos de férias, aniversários e óculos escuros. encontrei a mesma foto postada nos dois perfis. uma coisa de dar arrepio na espinha. tinha alguma coisa errada naquela harmonia e o que ela significa pro resto de nós, que aspiramos por ela.
felizmente, nunca mais os vi.